Quando Entendi Meu Pai
Neide Rodrigues
Na minha puberdade, morávamos distantes do centro da cidade. A vida era simples, marcada pelos caminhos de terra batida e pelas rotinas entre casa e escola, escola e casa. Meu pai, rígido em seus cuidados, não nos deixava sair desacompanhadas. Só com ele ou com mamãe. Mas, ironicamente, quase nunca nos levava. E assim passávamos semanas e mais semanas entre os muros do nosso pequeno mundo rural.
As brincadeiras, porém, enchiam nossos dias de encanto: no terreiro, montávamos casinhas de boneca com palhas de coqueiro que o próprio papai confeccionava com capricho — um gesto silencioso de amor. Quando chovia, era uma festa! Corríamos, nos esparramávamos nas poças d’água, gargalhando sob o céu aberto, como se o mundo fosse nosso.
Seu Jacinto e dona Zefinha, nossos vizinhos, sempre iam à missa no centro da cidade com seus filhos. E, generosos, tentavam nos levar também. Mas papai, firme, nunca permitia. Aquela proteção, à época, parecia prisão. Doía fundo, e eu não compreendia. Chorei muitas noites, desejando sair, sonhando com aquele “passeio” sagrado dos domingos.
Só mais tarde, com os anos, com os filhos crescidos e os “nãos” difíceis na ponta da língua, entendi. A dor virou entendimento. O sentimento, gratidão. Vi no zelo de meu pai não o autoritarismo, mas o cuidado de quem ama profundamente.
E havia também os momentos de doçura compartilhada. Amante da música, papai nos levava às serestas que aconteciam pelas redondezas. Foi ali, sob o som das modinhas e das vozes emocionadas, que nasceu meu gosto pela boa música. Até hoje, só canto canções antigas — verdadeiras poesias em forma de melodia, que embalam memórias e acalentam o coração.
Hoje, entendo: meu pai foi feito de silêncio, firmeza e ternura. E se antes eu chorava por não compreender, agora só me resta agradecer.
22 de maio de 2025