Sombras do Passado
Emanoel, um homem de muitos segredos, há tempos traía sua esposa. Naquela manhã fatídica, tomou uma decisão impensada. Com Laura, sua amante, ao lado, ousou aparecer à porta da casa da família. O ambiente, que outrora exalava a calma do cotidiano, foi subitamente tomado por tensão. Luzia, sua filha, revoltada e com a decepção estampada no rosto, não conseguiu se conter. Encarou o pai e, com voz firme e decidida, declarou:
"Você não vai mais entrar nesta casa."
Marinita, a mãe de Luzia, acostumada às traições do marido e já cansada de batalhas emocionais, olhou para a filha com ternura e resignação.
"Filha," disse ela suavemente, "você não pode fazer isso. Ele é seu pai." Sua voz não trazia rancor, apenas a aceitação de quem já viu e sentiu demais.
Após aquele confronto tenso, Marinita anunciou algo inesperado:
"Marquei uma viagem com vocês para Recife. Precisamos de um tempo longe daqui."
Dona Marinita, em segredo, tinha marcado o voo para a madrugada, porém, Luzia, envolvida no embalo da festa com os amigos, não lembrou do compromisso com a família. A viagem parecia ser uma oportunidade de recomeço, mas Luzia, ainda com o coração pesado, decidiu que precisava de um tempo sozinha. Para esfriar a cabeça, ela saiu para uma festa na cidade. Lá, entre risadas e músicas, encontrou amigas de infância, como Rosa, e velhos amigos da adolescência, como Idácio. Também estavam presentes Chiclete e Graziela, amigas da vida adulta. Por um momento, Luzia se permitiu esquecer. Riu, dançou e, ao sair da festa, foi recebida por um amanhecer radiante, como se o sol quisesse lembrá-la de que a vida sempre segue adiante.
Antes de voltar para casa, Luzia parou em uma lanchonete para recuperar as energias. Enquanto saboreava o café, avistou inesperadamente sua irmã, Nilza, que se aproximou com um sorriso tranquilo.
"Por que você não viajou ainda? Eu estava prestes a comprar minha passagem para encontrá-los," perguntou Luzia, surpresa.
"Prorrogaram o voo," respondeu Nilza, despreocupada. "Agora só sai às 15 horas."
Com o coração mais leve, Luzia tomou seu café da manhã e, à tarde, embarcou com Marinita e os irmãos rumo a Recife. Lá, deixou-se envolver pelas novas paisagens, conhecendo lugares que ainda não havia explorado. A viagem trouxe uma sensação de liberdade, de reconciliação com o passado, e, por um tempo, ela se esqueceu das mágoas com o pai. Aproveitou cada instante, cada nova descoberta, como se estivesse deixando para trás todo o peso que antes carregava.
Mas, ao despertar desse mistério que é o sonho, o vazio e a dor voltaram a lhe inundar o peito. Uma tristeza profunda tomou conta de seu coração, e lágrimas escorreram de seus olhos ao lembrar-se da ausência de seus pais, que agora dormiam no Senhor. Questionou-se sobre o ressentimento que ainda guardava, mesmo após a morte de Emanoel. Por que ainda carregava mágoas de alguém que já partiu? O que significava aquele sonho?
Em seu íntimo, Luzia sabia que só Deus poderia decifrar aquele enigma. Somente Ele poderia limpar as feridas do passado, perdoar as mágoas não ditas e acalmar seu coração cansado. O sonho, talvez, fosse um chamado para a cura, um sinal de que o tempo de ressentimento precisava dar lugar à paz que tanto almejava. Afinal, o perdão não era apenas para Emanoel, mas também para ela mesma.
E assim, Luzia, em meio à dor e à saudade, rezou em silêncio, pedindo a Deus não apenas compreensão, mas também o alívio para seu espírito, para que, finalmente, pudesse deixar o passado descansar em paz.
Neide Rodrigues, 07 de outubro de 2024.